sábado, 4 de fevereiro de 2012

V Domingo do Tempo Comum – Ano B


Jó 7,1-4.6-7
Sl 146
1Cor 9,16-19.22-23
Mc 1,29-39

Iniciemos nossa meditação da Palavra de Deus pela primeira leitura. O livro de Jó, de modo dramático, mostra a vida humana: “Não é acaso uma luta a vida do homem sobre a terra? Seus dias não são como dias de um mercenário? Tive por ganho meses de decepção, e couberam-me noites de sofrimentos. Se me deito, penso: quando poderei levantar-me? E, ao amanhecer, espero novamente a tarde… Meus dias correm mais rápido do que a lançadeira do tear e se consomem sem esperança. Lembra-te de que minha vida é apenas um sopro e meus olhos não voltarão a ver a felicidade”. Eis, caríssimos, não são palavras negativas, desesperadas, essas de Jó. São, antes uma reflexão realista sobre o mistério da vida humana, uma reflexão cheia de esperança, porque feita à luz de Deus. Uma coisa é pensar nas realidades negativas de nossa existência simplesmente contando com nossas forças. Que desespero, que desilusão, que vazio de sentido! Outra, bem diferente, é encarar a vida também com seus trevas, à luz de Deus, o amor eterno e onipotente! Que esperança que não decepciona, que paz que invade o coração, mesmo na dor!

Notem, irmãos: num mundo como o nosso, que cultua o corpo, o físico sarado, a saúde e o vigor físicos e presta tão pouca atenção ao sofrimento, à dor, ao fracasso… Num mundo que tem medo de pensar na morte e de assumir que todos morreremos, num mundo que não sabe o que fazer com o sofrimento, com a doença, com a decadência física, com a deformidade do corpo, estas palavras de Jó, convidam-nos a colocar os pés no chão. Repito: não são palavras pessimistas porque aquele que chora e busca o sentido da existência, fá-lo diante de Deus. Recordem como terminam as palavras da leitura – são comoventes: “Lembra-te de que minha vida é apenas um sopro e meus olhos não voltarão a ver a felicidade”. São uma oração! O triste na vida não é sofrer, não é chorar, não é morrer… Triste e miserável é sofrer e chorar e morrer sem Deus, sem este Parceiro cheio de doce ternura que dá sentido à nossa existência!

Por isso mesmo veio Jesus, nosso senhor! É isto que o Evangelho nos mostra hoje. Cristo nosso Deus, tomando pela mão a sogra de Pedro e erguendo-a do seu leito, revela que vem nos tomar pela mão – a nós, feridos e doentes de tantas doenças, fraquezas e medos! Este é o Evangelho, a Boa notícia: em Jesus, Deus revela o sentido de nossa existência porque se revela como Deus próximo, Deus de compaixão, Deus capaz de dar um sentido às nossas dores e até à nossa morte. Cristo nos toma pela mão, Cristo toma sobre si as nossas dores. Não precisamos fingir que não envelhecemos, que não adoeceremos, que não morreremos… Sabemos que nem a vida nem a morte nos podem afastar do amor de Cristo; sabemos que nele, tudo se enche de novo sentido… Por isso todos o procuram, porque procuram um sentido para a existência!

O grande dom que Cristo nos faz não é milagres nem curas nem solução de problemas. Deixemos essa visão miserável, mesquinha e pagã para os pagãos e os que enganam e ganham dinheiro e poder em nome de Cristo. Nosso modo de ver é outro, é aquele mesmo que o Cristo nos ensinou e do qual ele mesmo nos deu o exemplo pela sua vida e pela sua morte! O Santo Padre Bento XVI, quando ainda era Cardeal Ratzinger, assim escreveu: “Uma visão do mundo que não pode dar um sentido também à dor e não consegue torná-la preciosa, não serve para nada. Tal visão fracassa exatamente ali, onde deveria aparecer a questão mais decisiva da existência. Aqueles que sobre a dor não têm nada mais a dizer a não ser que se deve combatê-la, enganam-se. Certamente, é necessário fazer tudo para aliviar a dor de tantos inocentes e limitar o sofrimento. Mas, uma vida humana sem dor não existe e quem não é capaz de aceitar a dor, foge daquelas purificações que são as únicas a nos tornar maduros. Na comunhão com Cristo, a dor torna-se plena de significado, não somente para mim mesmo, como processo de purificação, no qual Deus tira de mim as escórias que obscurecem a sua imagem, mas também, para além de mim mesmo, é útil para o todo, de modo que, todos nós podemos dizer como São Paulo: ‘Agora eu me alegro nos sofrimentos que suporto por vós, e completo na minha carne o que falta dos padecimentos do Cristo pelo seu corpo que é a Igreja’ (Cl 1,24)… A vida vai além da nossa existência biológica. Onde não há mais motivo pelo qual vale a pena morrer, também não há motivo que faça valer a pena viver.”

Caríssimos, para isso Jesus veio – “foi para isso que eu vim!”, diz o Senhor hoje. Veio para anunciar o Reino e expulsar tudo aquilo que demoniza a nossa existência. E nada nos inferniza mais que viver sem sentido!

Cristãos, não vivamos como os pagãos, que vão sendo levados pela existência, fugindo da realidade e refugiando-se nas ilusões. Quanto excesso de divertimento, de eventos esportivos, de programas turísticos, de sonhos de consumo, de lazer e diversão… Se tudo isso numa justa medida é saudável, com o excesso que hoje se vê, é prejudicial, é sinal de uma humanidade doente, que tem medo de enfrentar as verdadeiras e profundas questões da existência! É que sem uma relação vive e íntima com o Senhor, é impossível enfrentar a nossa dura realidade! É neste sentido que o cristianismo nos apresenta um Evangelho, uma Boa Notícia: porque nos dá o Sentido, que aparece em Cristo Jesus!

Abramo-nos para o Senhor; nele apostemos nossa existência e tornemo-nos para os outros sinais de esperança e de vida, como São Paulo que se sentia devedor do Evangelho a todos. Que seja o Senhor Jesus consolo de nosso pranto, força no nosso caminho, alívio de nossas dores e prêmio de vida eterna. Amém.

Deus: sonho e tormento...


Deus! Que palavra, que realidade! Saudade do homem, sonho do homem, gozo do homem, tormento do homem!

Deus! Existe? Quem viu Seu rosto bendito? Quem jamais pôde imaginá-Lo, saber do Seu modo de ser, tão único, tão inefável, tão Outro em relação a tudo quanto possamos imaginar, sentir, pensar?

Deus. Onde está? Como chegar a Ele, conhecer Sua santa vontade?

Olhando a natureza, perscrutando o universo, o coração e a mente humana sentem-se possuídos por uma sensação de mistério... O homem vai descobrindo tantas leis que regem o cosmo, vai decifrando tantos segredos do mundo... Mas, à medida que descobre, mais vai percebendo que fica por descobrir... E ainda que tudo descubra deste mundo maravilhoso, deste universo impressionante, com misteriosas conexões de espaço, tempo, energia, matéria, antimatéria, ficam ainda questões arrasadoras, que avassalam a alma: Por que existe tudo e não o Nada? E, mais ainda, para que tudo existe? E, tremendamente mais sério: por que eu existo? Eu, com tanto de sonho, de consciência de mim e do mundo, com sede de ser feliz, mendigo de eternidade? Por quê? Para quê?

E, então, naqueles que não são levianos, e não brincam com a existência sua e dos outros e de tudo, brota a tremenda sensação de vertigem, de impossibilidade de responder a tão fundamentais questões!

Vertigem, admiração... Aquela pedra ali, estática, no solo de Marte, aquele gelado tremendo deserto de Netuno, a beleza daquela galáxia gigante, Andrômeda, a bilhões de anos-luz da nossa Via Láctea... Que sentido tem tudo isto? Para quem tudo isto existe? E quando as duas galáxias (Andrômeda e Via Láctea) se chocarem, daqui a 5 bilhões de anos? Para que, para quem, tudo isto?

Ante tantas descobertas, tantas perguntas, tanta admiração, uns procuram fugir das questões fundamentais. Metem a cabeça e a inteligência no contingente: as leis do universo, seu dinamismo, sua história, sua composição... Ou então afogam-se no dia-a-dia... Fogem, sorrateiramente, das questões que realmente importam para a vida... Outros admiram, inebriam-se não somente pela vastidão dos espaços siderais, mas também pela singeleza de uma flor, pelo sorriso de uma criança, pela beleza de um casal de mãos dadas, pelo tremendo mistério da decrepitude que vai devorando nossa vida até a morte... E ousam, seguindo um instinto misterioso do coração, um chamado irrefreável do seu mais íntimo, ousam chamar a tudo de "Criação", e vislumbram por trás de tudo um Criador: Deus!

Mas, onde está Ele? Que fazer para compreendê-lo, para escutá-lo? Por que é tão misterioso, tão fugidio? Se nos fez para Ele, por que se esconde? Se colocou em nós essa saudade danada, por que não se mostra, não se nos dá sem mistérios? Deus tão presente! Deus tão ausente! Deus tão próximo! Deus tão distante! Deus tão íntimo! Deus tão estrangeiro!

E nós ficamos aqui, tão sozinhos... Parece, às vezes, que falamos sozinhos, procuramos sozinhos, choramos sozinhos, vivemos sozinhos, morremos sozinhos...

É verdade que o Universo diz algo sobre esse misterioso Ser! É certo que em tudo quanto existe há algo de suas marcas, grintando: Ele passou por aqui; nossa beleza é reflexo pálido da sua formosura infinita! É verdade que nosso ser, nosso coração e nossa vida balbuciam algo sobre Ele... Mas, Ele mesmo... Quem jamais ouviu? Quem pode dizer algo certo sobre Ele?

Mistério, Silêncio, Noite, Abismo, Vertigem! Eis o fato duro, doloroso, nostálgico, trágico: o homem não tem onde apoiar os pés para saber de Deus, falar de Deus, garantir de Deus! Silêncio nas estrelas, silêncio por trás do rumor das ondas, silêncio mesmo que o vento uive, amedrontador... Silêncio! Silêncio também em im, no meu coração: sei que sou, existo; mas não sei de onde vim nem para onde estou indo... Deus está, Deus não está... Deus é, Deus não é... Não está como pensamos, não é como imaginamos... Deus – a palavra mais tremenda, mais misteriosa, mais decisiva que o homem pode pronunciar! Quase que diante Dele só se pode calar, num silêncio adorante, ou falar, numa insolência blasfema...

E continua a pergunta, a questão: como saber de certeza se Ele existe, se é a mais doce das realidades ou a mais enganadora das quimeras?

Uma voz, milenar, tênue, insistente... Talvez seja ela a brecha... Talvez seja o buraquinho de fechadura, a portinhola estreita, diminuta, a frestazinha de nada pela qual possamos ter algo de certeza, algo de acesso ao Mistério... Há milhares de anos essa voz é repetida, é cantada, é suspirada, é rezada em momentos de dor e de alegria, de luz e de trevas, de vida e de morte... Uma voz! Um convite, uma exortação! Todos podem ouvi-la... Somente alguns a levam a sério e se jogam no que ela descortina: “Ouve, ó Israel, o Senhor nosso Deus, o Senhor é Um!” Ouve! Do Infinito, do Silêncio eterno do Ser, da Noite mais profunda que habita o coração do Mistério, uma voz ecoa neste insignificante planeta Terra, no coração do tempo do homem e do mundo, no meio de um antigo povo sem importância: “Ouve! Tu não podes saber tudo, tudo nunca verás tudo, tu nunca compreenderás tudo! Ouve, silencia, presta atenção, acolhe humildemente: há um Deus! O Senhor é o Deus! O Senhor é absolutamente Único, Original, Outro em relação a tudo quanto possa existir! Escuta, pois do Silêncio eterno brotou esta Palavra! Abandonando-te a ela, viverás a verdade de tudo, viverás a verdade da tua própria vida! Ouve, pois, ó Israel! Grava no teu coração, acalenta na tua vida, caminha nesta certeza: há um Deus! O Senhor nosso Deus! Ele é Único! Tu não podes compreendê-lo, tê-lo na palma da mão, domesticá-lo a teu gosto, esquadrinhá-lo com tua razão! A Ele abrirás teu coração, Nele viverás a tua vida, pelos Seus caminhos orientarás os teus passos! Tu não o verás, mas se a Ele te abrires, por vezes experimentá-Lo-ás de modo misterioso; verás que Ele, vez por outra, mostrar-Se-á sem se mostrar... E quando vierem estes momentos fugidios, tudo se enche de sentido e o inteiro Universo e a totalidade da existência tornam-se uma tremenda e maravilhosa epifania do Seu Ser e da Sua Presença!

Cala-te, pois. Deixa-te. Acolhe a Palavra antiga, sempre atual, mansa e tão imperativa: “Ouve, ó Israel! O Senhor nosso Deus – Ele É! Ele existe! –, o Senhor é Único!” Se acolhes esta tremenda revelação com todas as suas consequências, tudo muda de figura, tudo adquire sentido... "Se tu creres, verás! Verás a glória de Deus, Sua doce e estonteante Presença, mesmo nas ausências da existência!"