O Senhor Jesus rezou e nos mandou "rezar sempre, sem jamais esmorecer" (Lc 18,1). Os místicos e os pregadores cristãos sempre insistiram na importância da oração. Por quê? Pra quê rezar louvando, se Deus não precisa de nosso louvor? E pra quê rezar pedindo, se Deus sabe do que precisamos? Será mesmo o homem capaz de modificar o desígnio de Deus, que é infinito? Pode o homem argumentar com Deus, de modo a fazê-lo mudar de idéia? Neste artigo e nos próximos, proponho-me refletir sobre estas três questões: Que é rezar? Para que rezar? Como rezar?
Que é rezar?
De modo apressado, na ponta da língua, afirmamos: rezar é conversar com Deus, é falar com ele. Santa Tereza, no seu "Caminho da Perfeição", deu uma definição que se tornou clássica: "Rezar é tratar de amor com quem sabemos que nos ama". Tudo isso é verdade, tudo isso é rezar. Mas, biblicamente, a oração é bem mais que isso. Não se trata primeiramente de conversar com Deus, mas de colocar-se diante dele, caminhar na sua presença, aberto para ele. Observe-se que nas definições dadas, parece que rezar é coisa nossa: falamos e Deus escuta; tomamos a iniciativa e Deus acolhe. E não é isso! Na oração, o sujeito é primeiramente Deus, e não nós mesmos. É ele quem fala, é ele quem toma a iniciativa: "Ouve, meu povo, eu te conjuro; oxalá me ouvisses, Israel!" (Sl 80, 9) Rezar é, antes de tudo, uma atitude de abertura e escuta diante do Senhor que vai falar: "O primeiro mandamento é: Ouve, ó Israel..." (Mc 12,29). A oração só começa e somente é possível quando nos colocamos nesta atitude de total disponibilidade ante o Senhor, na obediência e no reconhecimento que ele é o Senhor: "Quero ouvir o que o Senhor irá falar..." (Sl 84,9); "Ah! Se meu povo me escutasse, se Israel andasse sempre em meus caminhos... (Sl 80,14). Um belíssimo exemplo de disponibilidade do verdadeiro orante é o salmo 118. Todo ele é um cântico apaixonado à Lei de Deus. Lei, aqui, no sentido de vontade, de desígnio, de plano, de projeto amoroso do Senhor a nosso respeito: "Que meus caminhos sejam firmes para eu observar teus estatutos. Eu te procuro de todo o coração, não me deixes afastar de teus estatutos. Bendito sejas, Senhor; ensina-me os teus estatutos" (Sl 118,5.10.12). Reza de verdade quem de verdade não fala primeiro ao Senhor, mas primeiro se dispõe a escutá-lo: "Fala, Senhor, que teu servo escuta" (1Sm 3,10). A primeira súplica de quem deseja rezar de verdade é esta: Senhor, "dá a teu servo um coração que escuta" (1Rs 3,9).
Mas, onde se pode escutar o Senhor falar? A pergunta é importantíssima. Pode ser que pensando escutá-lo, só escutemos a nós mesmos, a nossos caprichos, ao nosso próprio coração. Como escutá-lo de verdade? Primeira e fundamentalmente, na Sagrada Escritura, lida-escutada num espírito de oração, de disponibilidade, de gratuidade. Nunca deveríamos ler-escutar a Palavra de Deus simplesmente para encontrar respostas. Ela deve ser freqüentada gratuitamente, sem outra pretensão que não aquela de um coração que deseja ouvir o seu Amado, aquele que o enche de vida, paz e serena alegria: "Os preceitos do Senhor são retos, alegram o coração; o mandamento do Senhor é claro, ilumina os olhos. Suas palavras são mais doces que o mel escorrendo dos favos" (Sl 18,9-10.11b). Ler-ouvir a Escritura é ouvir o coração de Deus; por isso ela deve ser lida com um espírito de fé, um espírito de total confiança e disponibilidade em relação ao Senhor. A primeiríssima atitude de quem reza não é falar - e muito menos tagarelar diante de Deus: é escutar! "Nas vossas orações, não multipliqueis as palavras, como os gentios, que imaginam que é pelo palavreado excessivo que serão ouvidos. Não sejais como eles!" (Mt 6,7-8a).
Esta freqüência à Palavra, esta escuta amorosa e fiel do coração de Deus, vai nos fazendo conhecer e admirar tudo quanto ele fez, o que ele falou, a sua fidelidade, o seu amor, o seu modo de tratar o seu povo, o excesso da sua misericórdia ao nos enviar o Filho Jesus e nos divinizar com o Espírito Santo. Assim, o fiel vai conhecendo o coração de Deus, vai se encantando com o Senhor a aprendendo a nele confiar e a ele se abandonar. A escuta vai nos fazendo homens e mulheres amigos de Deus, homens e mulheres de Deus, que começam a sentir o coração seu coração divino e a compreender os modos do Senhor. Esta escuta perseverante e fiel da Escritura, irá nos ensinando a escutar o apelo de Deus, seu desígnio para nós, na palavra de Igreja, nos acontecimentos da vida, nos apelos dos irmãos e em tudo que nos aconteça. Aí sim: tudo irá se tornando uma palavra do Senhor para nós. Mas, estejamos atentos: somente a partir da Palavra em sentido estrito, que é a Escritura Sagrada, aprenderemos a discernir as palavras de Deus nas outras realidades da vida. Sem partirmos da Escritura, escutaremos nas outras ocasiões somente a nós mesmos e nossos caprichos.
Esta atitude de escuta suscita no nosso coração uma resposta, cheia de confiança, admiração e amor, que brota do mais profundo de nós. Então, cantaremos, agradeceremos, louvaremos, pediremos ou, simplesmente, choraremos: "Eu derramo minha alma perante o Senhor" (1Sm 1,15b). Agora sim: a escuta provocou a resposta; resposta dócil, obediente, amorosa, adorante, admirada! Então, estabelecer-se-á o diálogo que é fecundo, que não é tagarelice, que é "tratar de amor com quem sabemos que nos ama". Deus falou e nós respondemos com a palavra, com o afeto, com o louvor, coma as lágrimas, com o silêncio contemplativo, com a vida.
Vamos aprofundar este ponto num próximo artigo.
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