Quem recebe um profeta, receberá recompensa de profeta; quem um justo, recompensa de justo (cfr. Mt 10,41); quem a Cristo, recompensa cristã. Esse é o argumento que eu gostaria de desenvolver hoje tendo presente o versículo anterior: “Quem vos recebe, a mim recebe. E quem me recebe, recebe aquele que me enviou” (Mt 10,40). Em que consiste essa recompensa cristã?
Há uma recompensa temporal e uma eterna. É Jesus quem nos diz: “Em verdade vos digo: ninguém há que tenha deixado casa ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou terras por causa de mim e por causa do Evangelho que não receba, já neste século, cem vezes mais casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e terras, com perseguições e no século vindouro a vida eterna” (Mc 10,29-30). Por tão agradável seguimento está prometido tão grande tesouro! Jesus não quer que abandonemos as pessoas queridas, mas que Deus tenha o primeiro lugar nas nossas vidas; não está fazendo propaganda de uma “teologia da prosperidade” – como tantas seitas atuais –, mas está falando daquelas coisas que não faltam àqueles que amam a Deus: alegria, a pesar dos pesares; não está falando de um tempo eterno, mas simplesmente da eternidade.
O céu, também entre os pagãos, sempre foi descrito de uma maneira bela. Homero, por exemplo, não pode imaginar o Olimpo dos deuses gregos sem pensar na bem-aventurança e nas alegrias eternas: “Tendo assim falado, Atenas de olhos brilhantes retirou-se para o Olimpo, onde dizem ser a morada eternamente estável dos deuses. Nem os ventos a sacodem nem as chuvas a inundam, nem ali cai neve; mas sempre ali reina serenidade sem nuvens, de deslumbrante alvura. Para ali, onde os deuses bem-aventurados passam os dias em perene alegria, se dirigiu a deusa de olhos brilhantes” (Homero, “Odisséia”, VI).
Por toda a eternidade… Para sempre… Com Deus, com Nossa Senhora, com o nosso anjo da guarda, com aqueles amigos santos que colaboram com a nossa santificação. Estaremos felizes contemplando a glória de Deus.
Para sempre? Será que não enjoaremos? De fato, na terra, qualquer coisa que fazemos, por prazenteira que seja, entedia quando demasiada. Uma pessoa que gosta de doce deleita-se com uma caixinha de chocolates; mas se lhe derem cem caixinhas do mesmo chocolate, essa pessoa não aguentará, pode até mesmo chegar a não querer comer chocolates na vida.
Será que contemplar a Deus por toda a eternidade não é uma atividade monótona e até mesmo chata? Se assim for, vale a pena ir ao céu? Conta-se que um diabinho disse a um homem que estava indeciso em converter-se ou não ao cristianismo que não valia a pena ser cristão e depois ir ao céu porque ele teria que praticar um montão de virtudes chatas e depois ir ao um céu monótono e enjoado. As virtudes aborrecidas a que se referia era a obediência, a castidade, o desprendimento dos bens materiais, a bondade, o perdão. O diabo, para convencê-lo disse também que enquanto no céu os bem-aventurados contemplam sempre o rosto de Deus, no inferno se contempla sempre coisas diferentes e que, além do mais, existiria muita festa, muito álcool, mulheres, prazeres. O pobre coitado que estava pensando em converter-se tomou uma decisão: “- vou pensar nisso da conversão depois”.
Talvez o problema da proposta cristã que poderíamos fazer aos nossos semelhantes seria mostrar um cristianismo chato, enjoado, empenhado na prática dumas virtudes caducas e que, no fim de tudo, nos levaria a um céu mais chato ainda. Se um cristão passa essa imagem aos outros, estaria fazendo um mal apostolado.
As virtudes cristãs são alegres, dão otimismo à vida e nos colocam sempre em disposição de entregar-nos mais e mais aos outros e a Deus por amor aos outros. O céu não pode ser algo monótono. A explicação que mais me convence é aquela que diz que a felicidade inicial que experimentarmos ao ver a Deus permanecerá para sempre, por estarmos na eternidade. Mas, ao mesmo tempo, me inclino muito por aquilo que diz S. Gregório de Nissa: a bem-aventurança eterna saciará todos os nossos desejos, mas não se trata dum estaticismo cuja novidade já não tenha cabida. Não! Deus é infinito e a nossa alegria será sempre a de quem já recebeu todo o necessário para a sua felicidade eterna, mas que parte dessa felicidade é a descoberta de realidades sempre novas. Um teólogo moderno, Jean Daniélou, expressou tudo isso de uma maneira verdadeiramente poética: a nossa viagem terminar-se-á não na ascensão a uma cima definitiva, mas no maravilhoso descobrimento de que os países descobertos são apenas uma promessa de “lugares” ainda mais belos que os conhecidos até então e que estão por descobrir.
Pe. Françoá Costa
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