segunda-feira, 16 de maio de 2011

Mitos Litúrgicos Parte I

Autor: Francisco Dockhorn
Revisão teológica: Dom Antonio Carlos Rossi Keller, Bispo da Diocese de Frederico Westphalen-RS
Publicação original: 11 de Fevereiro de 2009, 151º aniversário das aparições da Santíssima Virgem em Lourdes

Quando eu era criança, tínhamos na creche que eu freqüentava a “hora do conto”, onde se contavam estórias sobre lendas infantis, como: chapeuzinho vermelho, lobo mau, branca de neve, sete anões, João e Maria, três porquinhos, Cinderela, Saci-Pererê, etc.
Infelizmente, tenho visto que muitos escritos sobre Liturgia editados no Brasil e muitos cursos de Liturgia ao nosso redor tem se tornado uma “hora do conto”, onde se ensina mitos que não correspondem à verdade da doutrina e da disciplina da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.
Não me refiro, evidentemente, à má intenção de quem promove ou ministra tais cursos, pois isto não cabe a mim julgar. A avaliação que faço aqui é puramente a nível de conteúdo.
Vejo que é frequente se ensinar mitos como: “A Presença de Jesus na Palavra é tão completa como na Eucaristia; a Eucaristia é para ser comida e não para ser adorada; a adoração eucarística fora da Missa é ultrapassada; na consagração deve-se estar em pé; a noção da Missa como Sacrifício é ultrapassada; é mais expressivo no altar a imagem de Jesus Ressuscitado do que de Jesus crucificado; quem celebra a Missa não é o Padre, e sim toda a comunidade; a Igreja pode vir a ordenar mulheres; a Missa é para os fiéis; não se assiste à Missa; qualquer pessoa pode comungar; a absolvição comunitária substitui a confissão individual; é errado comungar na boca e de joelhos; a comunhão tem que ser em duas espécies; o Ministério extraordinário da Sagrada Comunhão existe para promover a participação dos leigos; o cálice e o cibório podem ser de qualquer material; os fiéis podem rezar junto a doxologia e a oração da paz; o sacerdote usar casula é algo ultrapassado; o Concílio Vaticano II aboliu o latim; para participar bem da Missa é preciso entender a língua que o padre celebra; o canto gregoriano é algo ultrapassado; atualmente o padre tem que rezar de frente para os fiéis; o Sacrário no centro é anti-litúrgico; não se deve ter imagens dos santos nas igrejas; cada comunidade deve ter a Missa do seu jeito; pode-se fazer tudo o que o Missal não proíbe; o padre é autoridade, por isso deve-se obedecê-lo em tudo; procurar obedecer à leis é farisaísmo; o que importa é o coração; a Missa Tridentina é antiquada; para celebrar a Missa Tridentina é preciso autorização do Bispo local; ir à Missa dominical não é obrigação.”
A diferença entre tais idéias e o autêntico pensamento católico é facilmente constatada, confrontando estes mitos aos documentos oficiais da Santa Igreja editados em Roma. São idéias que, evidentemente, não surgiram ao acaso, mas são fruto direto ou influência de uma teologia litúrgica modernista e incompatível com a autêntica teologia católica. Aqui na América Latina, muitas delas foram historicamente reforçadas pela disseminação de teologias importadas e da chamada “Teologia da Libertação”, esta de caráter marxista, que é incompatível com o pensamento da Santa Igreja e faz uma releitura de toda teologia (inclusive da teologia litúrgica), como está expresso em diversos documentos do Sagrado Magistério (ver a “Instrução sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação”, da Sagrada Congregação para Doutrina da Fé, de 06 de Agosto de 1984).
O objetivo deste artigo é expor abaixo cada um desses mitos litúrgicos citados e os contrapor com a palavra oficial da Santa Igreja. Todas as citações utilizadas sobre disciplina litúrgica, de documentos da Santa Igreja, se aplicam à forma do Rito Romano aprovada pelo Papa Paulo VI (que é atualmente a forma ordinária), com exceção dos mitos 30 e 31, que falam expressamente sobre a Missa Tridentina, que é a forma tradicional e (atualmente) extraordinária do Rito Romano.
Vamos aos mitos listados (32, ao todo divididas em 2 formações) e suas contra-argumentações:

Mito 1: “A Presença de Jesus na Palavra é tão completa como na Eucaristia”
Não é.
Ensina-nos o Sagrado Magistério da Santa Igreja Católica Apostólica Romana que Nosso Senhor Jesus Cristo está presente verdadeiramente e substancialmente no Santíssimo Sacramento do Altar, em Corpo, Sangue, Alma e Divindade, nas aparências do pão e do vinho, como afirma o Catecismo da Igreja Católica (Cat.), nos números 1374-1377.
E por na Hóstia Consagrada Nosso Senhor está presente de maneira substancial, o Papa Paulo VI afirma (Encíclica Mysterium Fidei, n. 40-41, de 1965) a supremacia da Presença Eucarística de Nosso Senhor sobre as demais formas de presença:
“Estas várias maneiras de presença enchem o espírito de assombro e levam-nos a contemplar o Mistério da Igreja. Outra é, contudo, e verdadeiramente sublime, a presença de Cristo na sua Igreja pelo Sacramento da Eucaristia. Por causa dela, é este Sacramento, comparado com os outros, “mais suave para a devoção, mais belo para a inteligência, mais santo pelo que encerra”; contém, de fato, o próprio Cristo e é “como que a perfeição da vida espiritual e o fim de todos os Sacramentos”. Esta presença chama-se “real”, não por exclusão como se as outras não fossem “reais”, mas por antonomásia porque é substancial, quer dizer, por ela está presente, de fato, Cristo completo, Deus e homem.”
Também o próprio Concílio Vaticano II, na Constituição Sacrosanctum Concilium (n.7), afirma esta supremacia da Presença Eucarística: “Para realizar tão grande obra, Cristo está sempre presente na sua igreja, especialmente nas ações litúrgicas. Está presente no sacrifício da Missa, quer na pessoa do ministro - «O que se oferece agora pelo ministério sacerdotal é o mesmo que se ofereceu na Cruz» - quer e SOBRETUDO sob as espécies eucarísticas.”
Afirmar que a presença de Nosso Senhor na Palavra é tão completa como na Hóstia consagrada significa uma dessas duas coisas: afirmar que Nosso Senhor se transubstancia na Palavra (aí fazemos o que, comemos a Bíblia e o Lecionário?), ou negar a Presença Substancial de Nosso Senhor na Hóstia Consagrada, o que atenta conta o Mistério central da fé católica, pois a Eucaristia é “fonte e ápice da vida cristã” (Lumen Gentium, n.11)

Mito 2: “A Eucaristia é para ser comida e não para ser adorada”
É para ser adorada, sim.
A Hóstia consagrada é a Presença Real e substancial de Nosso Senhor, e por isso a Santa Igreja dedica a ela toda a adoração. O Santo Padre Bento XVI responde (Exortação Sacramentum Caritatis, n.66, de 2006) :”…aconteceu às vezes não se perceber com suficiente clareza a relação intrínseca entre a Santa Missa e a adoração do Santíssimo Sacramento; uma objeção então em voga, por exemplo, partia da idéia que o pão eucarístico nos fora dado não para ser contemplado, mas comido. Ora, tal contraposição, vista à luz da experiência de oração da Igreja, aparece realmente destituída de qualquer fundamento; já Santo Agostinho dissera: « Nemo autem illam carnem manducat, nisi prius adoraverit; (…) peccemus non adorando - ninguém come esta carne, sem antes a adorar; (…) pecaríamos se não a adorássemos ». De fato, na Eucaristia, o Filho de Deus vem ao nosso encontro e deseja unir-Se conosco; a adoração eucarística é apenas o prolongamento visível da celebração eucarística, a qual, em si mesma, é o maior ato de adoração da Igreja: receber a Eucaristia significa colocar-se em atitude de adoração d’Aquele que comungamos.”
Dizer que a Eucaristia não é para ser adorada implica em negar a que a Hóstia Consagrada é o Corpo de Nosso Senhor, ou pensar que Deus não é digno de adoração…

Mito 3: “A adoração eucarística fora da Missa é ultrapassada”
Não é.
O saudoso Papa João Paulo II escreveu (Encíclica Ecclesia de Eucharistia, n. 25, de 2003): “Se atualmente o cristianismo se deve caracterizar sobretudo pela « arte da oração », como não sentir de novo a necessidade de permanecer longamente, em diálogo espiritual, adoração silenciosa, atitude de amor, diante de Cristo presente no Santíssimo Sacramento? Quantas vezes, meus queridos irmãos e irmãs, fiz esta experiência, recebendo dela força, consolação, apoio! Desta prática, muitas vezes louvada e recomendada pelo Magistério, deram-nos o exemplo numerosos Santos. De modo particular, distinguiu-se nisto S. Afonso Maria de Ligório, que escrevia: A devoção de adorar Jesus sacramentado é, depois dos sacramentos, a primeira de todas as devoções, a mais agradável a Deus e a mais útil para nós. A Eucaristia é um tesouro inestimável: não só a sua celebração, mas também o permanecer diante dela fora da Missa permite-nos beber na própria fonte da graça.”
E o Santo Padre Bento XVI acrescenta (Sacramentum Caritatis, n. 66-67): “De fato, na Eucaristia, o Filho de Deus vem ao nosso encontro e deseja unir-Se conosco; a adoração eucarística é apenas o prolongamento visível da celebração eucarística, a qual, em si mesma, é o maior ato de adoração da Igreja: receber a Eucaristia significa colocar-se em atitude de adoração d’Aquele que comungamos. Precisamente assim, e apenas assim, é que nos tornamos um só com Ele e, de algum modo, saboreamos antecipadamente a beleza da liturgia celeste. O ato de adoração fora da Santa Missa prolonga e intensifica aquilo que se fez na própria celebração litúrgica. (…) Juntamente com a assembléia sinodal, recomendo, pois, vivamente aos pastores da Igreja e ao povo de Deus a prática da adoração eucarística tanto pessoal como comunitária. Para isso, será de grande proveito uma catequese específica na qual se explique aos fiéis a importância deste ato de culto que permite viver, mais profundamente e com maior fruto, a própria celebração litúrgica. Depois, na medida do possível e sobretudo nos centros mais populosos, será conveniente individuar igrejas ou capelas que se possam reservar propositadamente para a adoração perpétua. Além disso, recomendo que na formação catequética, particularmente nos itinerários de preparação para a Primeira Comunhão, se iniciem as crianças no sentido e na beleza de demorar-se na companhia de Jesus, cultivando o enlevo pela sua presença na Eucaristia.”
Mito 4: “Na consagração deve-se estar em pé”
Na Consagração os fiéis devem estar de joelhos, em sinal de adoração.Quanto a isso a lei da Santa Igreja é clara em afirmar na Instrução Geral no Missal Romano (n. 43), que determina que os fiéis estejam “de joelhos durante a consagração, exceto se razões de saúde, a estreiteza do lugar, o grande número dos presentes ou outros motivos razoáveis a isso obstarem. Aqueles, porém, que não estão de joelhos durante a consagração, fazem uma inclinação profunda enquanto o sacerdote genuflecte após a consagração.”

Mito 5: “A noção da Missa como Sacrifício é ultrapassada”
Não é.
O Sagrado Magistério da Igreja, por graça do Espírito Santo, é infalível em matéria de fé e moral (Cat., n.2035). Por isso, a fé católica não muda.
A Santa Missa é a Renovação do Único e Eterno Sacrifício de Nosso Senhor, oferecido pelas mãos do sacerdote. Diz o Catecismo da Igreja Católica (n. 1367): “O sacrifício de Cristo e o sacrifício da Eucaristia são um único sacrifício.”
O Catecismo anterior, publicado pelo Papa São Pio X em 1905, afirma (n. 652-654): “A santa Missa é o sacrifício do Corpo e do Sangue de Jesus Cristo, oferecido sobre os nossos altares, debaixo das espécies de pão e de vinho, em memória do sacrifício da Cruz. (…) O Sacrifício da Missa é substancialmente o mesmo que o da Cruz, porque o mesmo Jesus Cristo, que se ofereceu sobre a Cruz, é que se oferece pelas mãos dos sacerdotes seus ministros, sobre os nossos altares, mas quanto ao modo por que é oferecido, o sacrifício da Missa difere do sacrifício da Cruz, conservando todavia a relação mais íntima e essencial com ele. (…) Que diferença, pois, e que relação há entre o Sacrifício da Missa e o da Cruz? Entre o Sacrifício da Missa e o sacrifício da Cruz há esta diferença e esta relação: que Jesus Cristo sobre a cruz se ofereceu derramando o seu sangue e merecendo para nós; ao passo que sobre os altares Ele se sacrifica sem derramamento de sangue, e nos aplica os frutos da sua Paixão e Morte.”
Curiosidade: o Papa Bento XVI afirmou, no dia 09 de Outubro de 2006, que o homem contemporâneo “perdeu o sentido do pecado”. Ora, se não há pecado, qual a necessidade de um Sacrifício Propiciatório? Creio que isso explica muitas coisas…

Mito 6: “É mais expressivo no altar a imagem de Jesus Ressuscitado do que de Jesus crucificado”
Não é.
A Instrução Geral do Missal Romano determina (n.308): “Sobre o altar ou junto dele coloca-se também uma cruz, com a imagem de Cristo crucificado, que a assembléia possa ver bem. Convém que, mesmo fora das ações litúrgicas, permaneça junto do altar uma tal cruz, para recordar aos fiéis a paixão salvadora do Senhor.”
Essa cruz alude ao Santo Sacrifício de Nosso Senhor, que se renova no altar. Nosso Senhor está vivo e ressuscitado, mas a Santa Missa renova o Sacrifício.

Mito 7: “Quem celebra a Missa não é o Padre, e sim toda a comunidade”
A Instrução Redemptions Sacramentum (n. 42), de 2004, discorrendo sobre o Santo Sacrifício da Missa, afirma: “O Sacrifício Eucarístico não deve, portanto, ser considerado “concelebração”, no sentido unívoco do sacerdote juntamente com povo presente. Ao contrário, a Eucaristia celebrada pelos sacerdotes é um dom que supera radicalmente o poder da assembléia. A assembléia, que se reúne para a celebração da Eucaristia, necessita absolutamente de um sacerdote ordenado que a presida, para poder ser verdadeiramente uma assembléia eucarística. Por outro lado, a comunidade não é capaz de dotar-se por si só do ministro ordenado.”

Mito 8: “A Igreja pode vir a ordenar mulheres”
Não pode.
O saudoso Papa João Paulo II definiu que a Santa Igreja não tem a faculdade de ordenar mulheres, quando em 1994, publicou a Carta Apostólica “Ordinatio Sacerdotalis”, que afirma explicitamente: “Para que seja excluída qualquer dúvida em assunto da máxima importância, que pertence à própria constituição divina da Igreja, em virtude do meu ministério de confirmar os irmãos (cf. Lc 22,32), declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja.”

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